segunda-feira, 29 de maio de 2023

GALPÃO CRIOULO QUE ESTAIS NO CÉU

 


Nos idos dos anos 70 onde hoje reina um poderoso banco havia um histórico campinho de terra, terra vermelha e terra dura que rasgou muitos joelhos e revelou craques da história chapadense mas isso é uma outra longa história...



Uma vez por ano sempre nos meses de setembro ocorria uma grande magia, os espíritos das tradições iluminavam algumas almas e essas movida pelo amor ao pago rio grandense, se colocavam a construir com as próprias mãos um humilde galpão de tábua bruta, que logo ganhava alma e a magia acontecia bem no centro de Chapada.


No chão batido dessa terra bruta ao lado de uma fogueira santa alguns homens destacavam-se na multidão, não pelo que eram em suas profissões ou posições, mas sim pela paixão pelas coisas sagradas do amor a terra.


Era comum nas noites geladas do inverno, embaixo do seu ponche aveludado vermos o Dr Dionysio declamando tio Anastácio com a voz embargada pela emoção como a ver o velho negro sofrido a sua frente, poesia essa emoldurada pelo triste fundo de violão empunhado por uma das mais lindas vozes que meus ouvidos ja ouviram do imortal Jairo Ramos, era angelical para nossos ouvidos.

Nas horas mais divertidas riamos muito dos embates do feijão contra seus oponentes trovando bravamente com rimas que até hoje não sei de onde saía tamanha inspiração, só pode ser coisa divina.


Foi ali que inimagináveis poetas da cultura gaúcha começaram a despontar, seu Delmir Lotice contagiado pelo amor gaudério começou a declamar belíssimas poesias gauchescas e logo tomou gosto pela oratória e tornou-se um grande político, e foi ali que um dia eu vi meu amigo Marquinhos (Marcos Lotice) levar um tombão de cavalo que me arrancou muitas gargalhadas, (desculpa aí amigo)


O Marcos Lotice, marquinhos para mim; Era um modelo para todos nós, atleta, estudioso, absurdamente responsável pela pouca idade, fez duas faculdades simultaneamente e dava até aula para os professores, mas quando colocava a piucha o gauchismo entrava pelas veias e o guri virava um taura


Dr Hurbem, que médico fantástico, amante da profissão, trouxe muitos chapadenses ao mundo e salvou muitas vidas, mas na hora do galpão o médico dava lugar ao gaúcho e as preocupações se tornavam alegria e pura diversão, a mágia era contagiante

Seu Milton Kamphorst tinha a sua toca da onça, palco de muitas gauchadas, churrasqueadas, poesias, piadas, era o ano toda, mas na semana farroupilha ia pra dentro da bombacha e não deixava de esquentar os ossos na fogueira santa do galpão.


Seu João Aresi montava na Kombi, (um dia fui pescar com ele, dia de chuva, meteu a kombi na traseira de uma Brasilia, acha que ainda tenho um galo na testa que herdei dessa história, mas isso fica pra outra vez) e não nos deixava perder toda a sua alegria, aquele riso fácil que carregava na face por todos os dias, há se o tempo pudesse voltar...


Foi lá que Adão bigode entrou em nossas vidas, gaúcho típico, alegre, divertido estabanado e dono de um coração que não cabia no peito, era um presente a presença do bigode ao nosso lado.


E havia um gaúcho sizudo, de faces duras, de braços musculosos, altivo com cara de bravo mas equipado com o coração de uma moça de tanta gentileza, seu Alcindo Fogaça.


Seu Cacildo era muito sério, não lembro de ve-lo sorrindo, talvez pelo cargo de muita responsabilidade frente a prefeitura, mas ao chegar as frias noites de setembro naquela semana mágica, lá estava ele compartilhando a cuia morena que ia de mão em mão


Seu Trentine (Abilio) homem grande, um shaznegger da epoca para nós, dono de uma rural linda, marrom e branca novinha, que conduzia o povo chapadense pelos interiores, pai amoroso e bastante severo também, nas noites de inverno, colocava a indumentaria e não deixava de prestigiar aquela festa maravilhosa que era o galpão crioulo, um dia eu e a Liseane Bastos fomos atropelados e seu Trentine que me socorreu, talvez um dia eu conte essa história,

O galpão Crioulo era tão mágico que o Arcildo Begrow não resistiu sua ausência e o carregou para os fundos de casa, era muito amor para permitir que se fosse.

Quantas vezes vi o Aldi e o Ademar gargalhando no chão batido naquelas noites frias lá fora e fervendo la dentro.

Seu Itamar esquecia de fazer terno e queria fazer bombachas para todos os Chapadenses e esse homem tinha o dom de mexer com os mais finos tecidos e a noite la estava ele admirando sua arte ao vivo.


O Zeca deixava seus hospedes acomodados colocava uma bombacha e não perdia uma noite sequer daquela semana longa por tudo o que se passava e curta porque a magia passava voando



Mas o tempo é implacável, primeiro levou o galpão, foi vencido pelo progresso e deu lugar a um banco, tenho certeza que muitos corações choraram com os primeiros tijolos que sepultavam nosso galpão.



E depois o tempo começou levar nossos ilustres heróis um a um cada um a seu tempo e cada um com seu motivo, o rincão foi empobrecendo porque com eles iam a energia a vibração e a história daqueles momentos eternos, nós os filhos e amigos, choramos cada um deles com imensa saudade e dor e alegria por saber que homens diferentes eram aqueles.

Mas hoje la no céu, não tenho dúvidas que se reúnem ao redor de uma fogueira santa, que remontaram o nosso galpão e que ao olhar aqui pra baixo sorriem declamam, cantam e principalmente oram por nós

Galpão crioulo que estais no céu rogai por nós que aqui ainda estamos.

PS Sei que muitos heróis ficaram de fora, não há como relembrar de tantos, mas minha homenagem é pra cada um deles e sei que estão felizes no galpão crioulo do céu

Dionysio

10 comentários:

  1. Parabéns querido Maninho, pelas linda homenagem que fizeste, muito obrigado pelo carinho, lindas e verdadeira palavras, deste voz aos nossos queridos entes. Sentimos muito orgulho por fazer parte desta história ,e termos convivido com todos estes homens honrados e destemidos.
    Gratidão a vc Dionísio, por ter estas memórias, e queremos contribuir,lembrando do seu Avô Seu Carvalho, foi o Primeiro Peão Caseiro do Galpão, que fazia a campana e a sentinela cuidando do nosso Galpão.
    Receba o nosso abraço carinhoso, da Matriarca Ivoni Lotice, filhas, netos e netas.

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    1. É verdade dna Ivone o vô adorava aquilo tudo ❤️❤️❤️ obrigado por me ajudar a lembrar

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  2. Belíssimas palavras Dionysio Carvalho , me emocionaste do início ao fim da leitura. Deus continue lhe dando o dom da escrita e da boa memória. Obrigada 😭❤

    Atenciosamente Ivoni Lotice

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  3. Nossa parabéns pelas belas lembranças que nós fez relembrar. Palavras lindas, mágicas. Nossos entes queridos devem estar festejando lá do céu com sua homenagem. Vc é um bom escritor com uma memória inigualável. Receba nossa gratidão e todo carinho e respeito. .Eu Lisete Beatriz falo em nome de toda família Aresi. Um forte abraço Gaudério.

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    1. Oi Lisete, seu João teve uma ligação muito forte com todos nós, homem de personalidade forte mas que transbordava alegria, quase todos aprendemos a cavalgar na fazenda dele em uma egua mansinha que ficava a nossa disposição. Nossos anos dourados. obrigado pelo carinho

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  4. Amigo Dionysio. Primeiro, obrigada de coração pela lembrança de meu pai Feijão. Me emocionei muito com o texto, lembrei-me de cada um que citou, me fez voltar no tempo e ver o quanto eles nos alegraram e foram importantes para nós.

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    1. Não tem como lembrar do galpão crioulo sem lembrar do seu pai, ele era alma daquele lugar, encantava as pessoas com sua arte de trovador e tinha umas tiradas de humor fantástica, na verdade nós que somos gratos a eles todos

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  5. Excelente texto, retrata fielmente a nossa cidade nos belos tempos do galpão crioulo ...
    Quanto povo que lá estava presente na semana farroupilha que já não estão entre nós. Saudades daquele tempo...
    Abraço Dionisio ! parabéns pela bela lembrança da nossa Chapada

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  6. Muito obrigado por ter lembrado do vô Adão.

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Dionysio